CHURRASCO NOSSO DE CADA DIA
Casou com a gaúcha na certeza do gosto de saborear diariamente um bom
churrasco.
Nenhum dos dois, porém, possuía experiência na arte sacra ritual do
assado. Mas com o casamento, o acordo da cooperação mútua para manter a tradição
e o gosto culinário;
Ele compraria a carne e cuidaria ao assar, enquanto ela proveria o sal
e o combustível para a churrasqueira.
O primeiro dia, o gaúcho estufou o peito e começou assoprar para atiçar
o fogo. Horas depois foi encontrado dependurado pela cintura na churrasqueira,
assoprando apenas pelos fundilhos da bombacha e babando sobre o que deveria ser
o carvão. A picanha foi engolida ensanguentada como um peão capturado “em passant” no lance de número 298 de
um jogo de xadrez.
A euforia do segundo dia, regado à chimarrão, foi uma festa. Mas o fogo
não estava eufórico...
Depois de diversas tentativas frustradas usando jornais e pequenos
gravetos para iniciar o fogo, usaram álcool. As labaredas altas carbonizaram o
exterior do churrasco e mantiveram o interior cru.
E assim foi o segundo dia e ninguém reclamou de nada. Afinal de contas,
eram novatos.
O chimarrão já estava prá lá de lavado no terceiro dia e as brasas
ainda se negavam a ajudar. Com muito jornal para iniciar o fogo, uma nuvem de
fumaça dançou um eterno repertório de milongas do Borghetti ao redor da carne,
mas sem aquecer. Cansados e famintos, ficou como “mal passado” mesmo. Poderia
ser defumado. De qualquer forma o sabor estava desfigurado pela fumaça e
mascarado pela fome.
Para garantir o quarto dia, o fogo foi iniciado com mais de duas horas
de antecedência, e quase deu certo. De tanto abanar o fogo e tentar deixar o
churrasco no ponto, o marido dormiu na hora de almoçar, vencido pelo cansaço.
Talvez o tempero até estivesse no ponto...
O mesmo se repetiu no quinto dia e para prevenir, uma térmica de café
além de duas de água de chimarrão para manter o marido acordado. Mas com tanta
água no bucho, não havia mais espaço para a carne e limitou-se a um pequeno
naco.
Insuficiente para concluir se estava bom ou ruim.
Na segunda semana o desânimo tirou o sabor e a euforia. Mas havia o
compromisso do legado dos pampas a honrar.
Na terceira semana intercalaram dias de descanso sem carne. Apenas o
chimarrão.
No segundo mês, já corrompido o honroso compromisso gaudério,
adulterado com um franguinho básico, as lamentações da esposa elucidaram a
situação.
- Procurei economizar. Todo o
dia eu levantava cedo, pegava o machado e cortava uma árvore fresquinha para
fazer a lenha para nós...
Já dizia uma frase de para-choque de caminhão; “Lenha verde e viúva
choram muito antes de pegar fogo”. (Isso só entenderão os que tem experiência
em fogueira com lenha úmida de seiva)
Mesmo com a melhor das intenções, lenha verde não assa churrasco.
E assim, a vaca foi pro brejo e o frango pra panela.
À esposa, os louros da solicitude em levantar cedo e provisionar com
economia.
Ao marido, o rótulo de péssimo assador e traidor das tradições pampeiras.