domingo, 14 de junho de 2015

Outra história de amor

CHURRASCO NOSSO DE CADA DIA



Casou com a gaúcha na certeza do gosto de saborear diariamente um bom churrasco.
Nenhum dos dois, porém, possuía experiência na arte sacra ritual do assado. Mas com o casamento, o acordo da cooperação mútua para manter a tradição e o gosto culinário;
Ele compraria a carne e cuidaria ao assar, enquanto ela proveria o sal e o combustível para a churrasqueira.
O primeiro dia, o gaúcho estufou o peito e começou assoprar para atiçar o fogo. Horas depois foi encontrado dependurado pela cintura na churrasqueira, assoprando apenas pelos fundilhos da bombacha e babando sobre o que deveria ser o carvão. A picanha foi engolida ensanguentada como um peão capturado “em passant” no lance de número 298 de um jogo de xadrez.
A euforia do segundo dia, regado à chimarrão, foi uma festa. Mas o fogo não estava eufórico...
Depois de diversas tentativas frustradas usando jornais e pequenos gravetos para iniciar o fogo, usaram álcool. As labaredas altas carbonizaram o exterior do churrasco e mantiveram o interior cru.
E assim foi o segundo dia e ninguém reclamou de nada. Afinal de contas, eram novatos.
O chimarrão já estava prá lá de lavado no terceiro dia e as brasas ainda se negavam a ajudar. Com muito jornal para iniciar o fogo, uma nuvem de fumaça dançou um eterno repertório de milongas do Borghetti ao redor da carne, mas sem aquecer. Cansados e famintos, ficou como “mal passado” mesmo. Poderia ser defumado. De qualquer forma o sabor estava desfigurado pela fumaça e mascarado pela fome.
Para garantir o quarto dia, o fogo foi iniciado com mais de duas horas de antecedência, e quase deu certo. De tanto abanar o fogo e tentar deixar o churrasco no ponto, o marido dormiu na hora de almoçar, vencido pelo cansaço. Talvez o tempero até estivesse no ponto...
O mesmo se repetiu no quinto dia e para prevenir, uma térmica de café além de duas de água de chimarrão para manter o marido acordado. Mas com tanta água no bucho, não havia mais espaço para a carne e limitou-se a um pequeno naco.
Insuficiente para concluir se estava bom ou ruim.
Na segunda semana o desânimo tirou o sabor e a euforia. Mas havia o compromisso do legado dos pampas a honrar.
Na terceira semana intercalaram dias de descanso sem carne. Apenas o chimarrão.
No segundo mês, já corrompido o honroso compromisso gaudério, adulterado com um franguinho básico, as lamentações da esposa elucidaram a situação.
 - Procurei economizar. Todo o dia eu levantava cedo, pegava o machado e cortava uma árvore fresquinha para fazer a lenha para nós...
Já dizia uma frase de para-choque de caminhão; “Lenha verde e viúva choram muito antes de pegar fogo”. (Isso só entenderão os que tem experiência em fogueira com lenha úmida de seiva)
Mesmo com a melhor das intenções, lenha verde não assa churrasco.
E assim, a vaca foi pro brejo e o frango pra panela.
À esposa, os louros da solicitude em levantar cedo e provisionar com economia.
Ao marido, o rótulo de péssimo assador e traidor das tradições pampeiras.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Web Statistics